segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

AVALIAR PARA ENSINAR MELHOR

Da análise diária dos alunos surgem maneiras de fazer com que todos aprendam
Quem procura um médico está em busca de pelo menos duas coisas, um diagnóstico e um remédio para seus males. Imagine sair do consultório segurando nas mãos, em vez da receita, um boletim. Estado geral de saúde nota 6, e ponto final. Doente nenhum se contentaria com isso. E os alunos que recebem apenas uma nota no final de um bimestre, será que não se sentem igualmente insatisfeitos? Se a escola existe para ensinar, de que vale uma avaliação que só confirma "a doença", sem identificá-la ou mostrar sua cura?
Assim como o médico, que ouve o relato de sintomas, examina o doente e analisa radiografias, você também tem à disposição diversos recursos que podem ajudar a diagnosticar problemas de sua turma. É preciso, no entanto, prescrever o remédio. "A avaliação escolar, hoje, só faz sentido se tiver o intuito de buscar caminhos para a melhor aprendizagem", afirma a consultora Jussara Hoffmann.
Ênfase no aprender
Não é de hoje que existe esse modelo de avaliação formativa. A diferença é que ele é visto como o melhor caminho para garantir a evolução de todos os alunos, uma espécie de passo à frente em relação à avaliação conhecida como somativa.
Para muitos professores, antes valia o ensinar. Hoje a ênfase está no aprender. Isso significa uma mudança em quase todos os níveis educacionais: currículo, gestão escolar, organização da sala de aula, tipos de atividade e, claro, o próprio jeito de avaliar a turma.
O professor deixa de ser aquele que passa as informações para virar quem, numa parceria com crianças e adolescentes, prepara todos para que elaborem seu conhecimento. Em vez de despejar conteúdos em frente à classe, ele agora pauta seu trabalho no jeito de fazer a garotada desenvolver formas de aplicar esse conhecimento no dia-a-dia.
Na prática, um exemplo de mudança é o seguinte: a média bimestral é enriquecida com os pareceres. Em lugar de apenas provas, o professor utiliza a observação diária e multidimensional e instrumentos variados, escolhidos de acordo com cada objetivo.
A avaliação formativa não tem como pressuposto a punição ou premiação. Ela prevê que os estudantes possuem ritmos e processos de aprendizagem diferentes. Por isso, o professor diversifica as formas de agrupamento da turma.
Conhecer o aluno
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), aprovada em 1996, determina que a avaliação seja contínua e cumulativa e que os aspectos qualitativos prevaleçam sobre os quantitativos. Da mesma forma, os resultados obtidos pelos estudantes ao longo do ano escolar devem ser mais valorizados que a nota da prova final.
"Essa nova forma de avaliar põe em questão não apenas um projeto educacional, mas uma mudança social", afirma Sandra Maria Zákia Lian Sousa, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. "A mudança não é apenas técnica, mas também política." Tudo porque a avaliação formativa serve a um projeto de sociedade pautado pela cooperação e pela inclusão, em lugar da competição e da exclusão. Uma sociedade em que todos tenham o direito de aprender.
Para que a avaliação sirva à aprendizagem é essencial conhecer cada aluno e suas necessidades. Assim o professor poderá pensar em caminhos para que todos alcancem os objetivos. O importante, diz Janssen Felipe da Silva, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco, não é identificar problemas de aprendizagem, mas necessidades.
Teoria
Quando a LDB estabelece que a avaliação deve ser contínua e priorizar a qualidade e o processo de aprendizagem (o desempenho do aluno ao longo de todo o ano e não apenas numa prova ou num trabalho), usa outras palavras para expressar o que o jargão pedagógico convencionou chamar de avaliação formativa. O primeiro a usar essa expressão foi o americano Michael Scriven, em seu livro Medotologia da Avaliação, publicado em 1967. Segundo ele, só com observação sistemática o educador consegue aprimorar as atividades de classe e garantir que todos aprendam.
Muitos vêem a avaliação formativa como uma "oposição" à avaliação tradicional, também conhecida como somativa ou classificatória. Esta se caracteriza por ser realizada geralmente ao final de um programa, com o único objetivo de definir uma nota ou estabelecer um conceito — ou seja, dizer se os estudantes aprenderam ou não e ordená-los. Na verdade as duas não são opostas mas servem para diferentes fins. A avaliação somativa é o melhor jeito de listar os alunos pela quantidade de conhecimentos que eles dominam — como no caso do vestibular ou de outros concursos. A formativa é muito mais adequada ao dia-a-dia da sala de aula.

O ALUNO COMO PARCEIRO
Se seu objetivo é fazer com que todos aprendam, uma das primeiras providências é sempre informar o que vai ser visto em aula e o porquê de estudar aquilo. Isso é parte do famoso contrato pedagógico ou didático, aquele acordo que deve ser estabelecido logo no início das aulas entre estudantes e professor com normas de conduta na sala de aula.
A criança deve saber sempre onde está e o que fazer para avançar. Assim, fica mais fácil se envolver na aprendizagem. E dá para fazer isso até na pré-escola, desde que a maneira de dizer seja adequada à idade e ao nível de desenvolvimento da turma.
Quando o educador discute com os estudantes os objetivos de uma atividade ou unidade de ensino, dá meios para que eles acompanhem o próprio desenvolvimento.
E isso pode ser feito por meio da auto-avaliação (leia o texto ao lado). "Se o professor quer que os alunos se avaliem, deve explicitar por que e para que fazer isso. Ele precisa perceber como essa prática ajuda a direcionar todo o processo de aprendizagem", diz Janssen Felipe da Silva.
As conclusões da auto-avaliação podem servir tanto para suscitar ações individuais como para redefinir os rumos de um projeto para a classe como um todo. Esse processo pode ir além da análise do domínio de conteúdos e conceitos e mostrar como está a relação entre os colegas e com o professor.
A melhor maneira de pô-la em prática, na opinião de Janssen, é dizer à turma em que aspecto cada um deve se auto-avaliar. Uma lista de pontos trabalhados em sala pode ser apresentada aos alunos para que eles digam como se desenvolveram em relação a cada item.
Durante o processo de auto-avaliação, é importante que todos possam expor sua análise, discutir com o professor e os colegas, relatar suas dificuldades e aquilo que não aprenderam. "Nada garante que o olhar de uma criança vá ser igual ao do colega ou do professor", explica Sandra Maria Zákia Lian Sousa.
Além de ser mais um instrumento para melhorar o trabalho docente, a auto-avaliação é uma maneira de promover a autonomia de crianças e dos adolescentes. Para que isso realmente aconteça, o processo necessita ser democrático. "O aluno deve dizer sem medo de ser punido o que sabe e o que não sabe. Se ele percebe que não há punição nem exclusão, mas um processo de melhoria, vai pedir para se avaliar", garante Janssen.
O professor que se atém ao comportamento do estudante e o rotula acaba tendo uma atitude prejudicial. O agressivo e conversador sempre tende a ser visto dessa maneira. Assim como o atencioso e comportado. Por isso, não classifique seus alunos como se eles fossem sempre do mesmo jeito, com hábitos imutáveis — e, o mais importante, incapazes de se transformar. O ideal é tentar entender por que se comportam de determinada forma diante de uma situação. Rotular não leva a nada
É HORA DA RECUPERAÇÃO
Aproveite o horário normal para trabalhar habilidades e conceitos ainda não assimilados pela turma
O segundo semestre está aí! Conforme o final do ano vai chegando parece que os dias correm mais rápido, não é mesmo? Apesar de você saber que o programa a cumprir é imenso e os dias letivos, poucos, vale a pena parar e fazer um balanço. Reserve uma semana para analisar com toda a classe as habilidades, as atitudes e os conceitos aprendidos e, em seguida, apresentar o trabalho que virá pela frente. Afinal, os estudantes só ficarão motivados se souberem aonde vão chegar. Mas isso não é tudo. Outra condição básica para que aprendam é eles estarem preparados para acompanhar o programa que se inicia. Portanto, detecte possíveis dificuldades e não perca mais tempo: é hora de resolvê-las.
Se o foco de sua prática é a aprendizagem, não as notas, por que esperar o fim do bimestre para montar um plano de recuperação? Bem elaborado, ele vai ajudar quem não está acompanhando as aulas a deslanchar. Feito isso, até o final do ano não deixe de promover a recuperação contínua, aquela realizada na própria sala de aula durante o andamento do programa. A primeira tarefa, nesse caso, é fazer o diagnóstico dos alunos. "Avaliação e recuperação andam sempre juntas", diz Sônia Maria Duarte Grego, da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, em Araraquara. Mas não é de uma simples prova que Sônia está falando. O ideal é utilizar instrumentos diversificados e ficar de olho no desempenho dos alunos dia após dia.
Análise aprofundada
A observação é uma das armas utilizadas pela professora Ana Flávia da Silva Xavier, da Escola Estadual Ennio Voss, em São Paulo. Para conseguir fazer uma análise aprofundada dos pontos fracos de seus 39 alunos de 4a série, ela não se separa de um caderno universitário. Cada página tem o nome de uma criança. Muitas das folhas ainda permanecem em branco. Outras trazem anotações e bilhetinhos presos com clipes, que têm a ver com algum tipo de problema de aprendizagem.
Durante as atividades em sala de aula, ela registra erros cometidos, dúvidas apresentadas e avanços obtidos. "Não deixo para anotar nada depois. Senão, esqueço o contexto em que uma pergunta foi feita, e isso é muito importante", ensina. "Muitos educadores acham que têm memória e conhecem cada estudante. Por isso, não registram nada. Não fazem observações sistemáticas e avaliam pelas impressões. É um equívoco, pois os registros são insubstituíveis", explica Sônia.
Na prática, como Ana utiliza tantas anotações? "Elas são importantíssimas na hora de planejar atividades, principalmente as de recuperação", afirma a professora. Relendo-as, ela define que tipo de tarefa propor e que habilidades retrabalhar. "O ensinar é ir e voltar", acredita. Sua responsabilidade é grande. Os alunos estão terminando um ciclo e ela sabe que todos devem chegar à 5a série lendo e escrevendo com desenvoltura.
Nenhum professor pode fundamentar seu trabalho na idéia de que aquilo que ele não ensinar agora será ensinado por um colega no futuro. "Essa lógica é perversa", avalia Sônia. Belmira Oliveira Bueno, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, concorda. "Se o professor não ataca o problema apresentado por seu aluno, mesmo que esse problema seja antigo, não há aprendizagem." A professora de Matemática Márcia Gontijo, da Escola Estadual Paraíso do Norte, em Paraíso do Tocantins, conhece bem essa realidade. O início do segundo semestre é a época em que ela começa a trabalhar expressões numéricas na 5a série. Para os que não dominam as quatro operações — alguns recém-transferidos —, é impossível acompanhar as aulas. Como não quer deixar ninguém para trás, ela monta um pequeno grupo e dá aulas de recuperação no contraturno. Márcia afirma que não se importa de ensinar algo que, teoricamente, as crianças já deveriam saber. "Se precisar, começo do zero. Meu papel é fazer com que elas cresçam."
Bases da avaliação
O caso de Márcia não deixa dúvidas sobre a necessidade de uma intervenção séria. Mas como saber se está mesmo na hora de elaborar atividades de recuperação? Isso fica fácil quando você define, de antemão, as competências esperadas em cada tópico do programa (leia mais no quadro abaixo). Não basta, no entanto, identificar as dificuldades da turma. É essencial determinar as causas do fracasso. De acordo com Sônia, isso vai servir de orientação na busca de novas formas de ensinar. "Só quando ajusta a intervenção pedagógica o educador torna efetivo o processo de recuperação."
Diversificar a maneira de explicar um mesmo conceito é uma das estratégias de recuperação utilizadas pela professora de Ciências Rosane Felini Fachinetto. No Colégio Sévigné, de Porto Alegre, seus alunos são levados a construir conceitos. Mas nem sempre todos os 40 atingem o objetivo esperado. "Quando percebo que alguém não compreendeu, uso a lógica inversa. Dou o conceito e começo a trabalhar com base nele", comenta. Não é a situação ideal, mas é uma maneira de ajudar o jovem a acompanhar as aulas e não ficar desestimulado. "Minha meta é compartilhar o conhecimento. Para isso, eles têm de aprender, não apenas acertar os exercícios."
A recuperação nada mais é que uma nova oportunidade de construir aprendizagens. Agora que as aulas estão recomeçando, ela é essencial. Mas isso não significa que tenha dia ou hora certos para acontecer, na opinião de Belmira. "Essa prática deve acompanhar a trajetória do aluno durante todo o ano."

Na Escola Móbile, de São Paulo, há dois programas de recuperação paralela visando o desenvolvimento de habilidades: um em Matemética e outro em Língua Portuguesa. Confira alguns procedimentos básicos que garantem o sucesso da iniciativa, de acordo com a coordenadora Lucia Vinci de Moraes.
1) Determine as habilidades que pretende desenvolver.
2) Observe a turma para avaliar quem não atingiu os objetivos.
3) Monte grupos pequenos (no máximo 15 alunos) para dar mais assistência individual.
4) Dê você mesmo a recuperação para sua turma.
5) Planeje as atividades sabendo de antemão qual a carga horária disponível.
6) Prepare atividades diferentes das já desenvolvidas em classe.
7) Avise às crinaças, uma a uma, que eles vão participar da recuperação - e por quê.
8) Avalie os estudantes ao longo de toda a recuperação e replaneje as atividades, aumentando ou diminuindo a complexidade.
9) Faça uma avaliação final do programa. Peça a opnião dos alunos sobre as aulas e informe a cada um como se saiu.
Existem diversos instrumentos para analisar o desempenho do aluno e fazer com que todos se integrem ao processo de aprendizagem. Escolha o seu
Paola Gentile e Cristiana Andrade

ocê tem alunos pendurados neste final de ano? Alguns deles terão de ser reprovados e isso o angustia? Ou, ao contrário, muitos terão de ser aprovados, por causa dos ciclos, mesmo sem saber tudo o que deveriam — e isso também o incomoda? A idéia de enfrentar um período de recuperação até as vésperas do Natal tira seu sono? É bem provável que a resposta a essas perguntas seja sim. Novembro é, tradicionalmente, um mês de estresse para todos os docentes e grande parte do desgaste deve-se à necessidade de fechar as notas. A avaliação, que durante décadas foi um instrumento ameaçador e autoritário, está mudando, mas continua sendo um dos grandes nós da educação moderna.
Mas como fazer para não sofrer com esse aspecto tão importante do dia-a-dia da sala de aula? Antes de mais nada, é preciso ter em mente que não há um certo e um errado quando se fala em avaliação. Nesta edição, você vai encontrar alguns elementos para tornar mais produtivo esse processo. Um deles é o quadro, montado com a assessoria da pedagoga Ilza Martins Sant’Anna e da consultora pedagógica da Fundação Victor Civita, Heloisa Cerri Ramos, com as ferramentas mais usadas nas escolas. Todos os especialistas concordam que nenhum é melhor do que outro. O ideal é mesclá-los, adaptando-os às necessidades (e à realidade) de cada turma — e, claro, aos objetivos de cada educador.
Além disso, é fundamental saber que o próprio docente pode adotar, por conta própria, modelos mais modernos de avaliar seus estudantes, como explica Mere Abramowicz no Fala, mestre!. Outro lembrete importante é prestar atenção à questão lingüística. "Nem sempre a criança compreende o que o professor quer dizer", ensina a psicóloga especialista em desenvolvimento humano Elvira de Souza Lima (leia mais).
Avaliação formativa
Esse processo atende pelo nome de avaliação formativa. Trabalhar assim é mais simples do que parece. Vanda Felício dos Reis leciona Matemática para a 6ª série no Centro Educacional Pluri, em Presidente Prudente, interior de São Paulo. Enquanto a garotada se concentra na solução dos desafios propostos em jogos, ela prepara sua avaliação andando pela classe e anotando tudo o que observa. Para cada diagnóstico que levanta, uma receita diferente. "O estudante que perde na ‘Trilha da Matemática’ precisa receber mais explicações sobre áreas e perímetros, o que não se sai bem no ‘Subindo e Escorregando’ requer novos exercícios sobre classificação e comparação de números inteiros", explica Vanda.
É a partir dessas informações que Vanda planeja os conteúdos que vai trabalhar em sala de aula. As anotações que ela faz são importantes, mas não são tudo. Os próprios alunos escrevem relatórios individuais sobre o que sabiam antes, como participaram das tarefas, o que apreenderam e as dificuldades encontradas. No final do bimestre, todos fazem uma prova. A soma desses elementos indica a evolução dos estudantes e permite à professora conhecer a maneira particular de cada um aprender. "Quanto mais completa for a análise sobre o crescimento cognitivo da criança, mais chance eu tenho de ajudá-la", ensina Vanda.
De fato, restringir-se a exames pontuais com atribuição de notas e calcular a média dos resultados não mede a quantidade nem a qualidade do aprendizado. É um jeito velho (e ultrapassado) de enxergar o ensino. Sandra Záckia de Souza, professora do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da Universidade de São Paulo (USP), destaca que essa transformação depende mais do uso que se faz dos resultados da avaliação do que dos procedimentos e ferramentas usados. "A nota é apenas uma representação simplificada de um momento do processo de aprendizagem", afirma ela. "O que vale é o crescimento do aluno em relação a si próprio e aos objetivos propostos."
Relembrando conceitos
Por isso, não custa retomar alguns fundamentos. Cipriano Carlos Luckesi, professor de pós-graduação em Educação na Universidade Federal da Bahia, diz que o processo de avaliar tem, basicamente, três passos:
conhecer o nível de desempenho do aluno (constatação da realidade);
comparar essa informação com aquilo que é considerado importante no processo educativo (qualificação);
tomar as decisões que possibilitem atingir os resultados esperados.
"Seja pontual ou contínua, a avaliação só faz sentido quando provoca o desenvolvimento do educando", afirma Luckesi.
Nesse sentido, é essencial definir critérios. "Cabe ao professor listar os itens realmente importantes, informá-los aos alunos e evitar mudanças sem necessidade", defende Léa Depresbiteris, pedagoga especialista em tecnologia educacional e psicologia escolar. Ou seja, só avalie o que foi ensinado. Não adianta exigir que um grupo não orientado sobre as técnicas de seminário se saia bem nesse modelo de apresentação. E é inviável exigir a aplicação prática da tabuada na prova se, em classe, foi exigida apenas sua memorização.
Manter um pé na realidade da turma também é útil. Parece óbvio, mas nem sempre é isso que ocorre. Uma escola do interior de São Paulo, por exemplo, escolheu o circo como tema do semestre, sem pensar num "detalhe"; fazia tantos anos que a cidade não recebia uma trupe que as crianças nunca haviam visto um espetáculo circense! Um bom caminho é reservar um tempo para conversar com cada aluno, como fazem as escolas da rede municipal de Porto Alegre. Nesse diagnóstico inicial, feito na primeira semana de aulas, a gurizada faz testes de escrita e leitura e uma entrevista com o professor, para falar de hábitos e do relacionamento com a família.
Avançar é preciso
O exemplo da capital gaúcha encaixa-se bem no modelo proposto por Luckesi. Esse é o primeiro passo, a chamada avaliação inicial ou diagnóstica. O segundo, batizado de avaliação processual ou reguladora, é o conjunto de aferições feito no decorrer do processo de ensino-aprendizagem e serve para mostrar ao professor se determinada tática pedagógica está ou não dando resultados (em caso negativo, não perca tempo: busque alternativas e troque idéias com os colegas e a coordenação). O terceiro é conhecido como avaliação somativa ou integradora, momento em que o mestre estabelece o conceito final com base em tudo o que observou e anotou durante o processo.
Clotilde Bernal, professora de Ciências Naturais da Escola Municipal de Ensino Fundamental Marcos Melegan, em São Paulo, sugere outro bom exemplo de diagnóstico inicial, com uma vantagem: essa é uma tarefa que não precisa ser feita no início do ano letivo, mas sempre que um novo conceito for introduzido em classe. O ponto de partida é lançar uma questão para a turma e anotar as respostas no quadro-negro. A cada lição, as perguntas ficam mais específicas. Assim, é possível listar dúvidas e curiosidades sobre o tema e, com essas informações, orientar pesquisas (aliás, outro excelente momento para medir o interesse e a participação dos estudantes e os procedimentos adotados por eles).
Trabalhar dessa maneira traz vantagens adicionais. Por ser mais dinâmico, o modelo reduziu consideravelmente a indisciplina na sala de Clotilde. "Quando eu copiava os conteúdos no quadro, só via a meninada sem interesse", lembra. O mais interessante é que a maioria dos colegas dela ainda trabalha desse jeito — e avalia pelo sistema de provas e notas. "Nas reuniões pedagógicas, sempre sugiro que todos mudem, mas ninguém quer saber", diz Clotilde. "Eu não entendo por que tanta resistência. O resultado melhora tanto com o processo contínuo..."
Anotar sempre
Vanda, a professora de Matemática de Presidente Prudente, concorda 100%. "Antes, era possível jogar o exercício no quadro e ficar lendo o jornal", conta. "Hoje, me envolvo muito mais, mas sei cada ponto em que o aluno tem dificuldade e o que eu preciso fazer para envolvê-lo no processo de aprendizagem. É gratificante ver o crescimento de cada um." As brincadeiras e jogos que Vanda usa em sala de aula são um ótimo exemplo de avaliação processual. Como você pode imaginar, essa prática gera uma grande quantidade de dados. E isso, obviamente, exige organização para analisar esses dados. Do contrário, a avaliação somativa pode ser prejudicada. "A chave é anotar tudo com muita objetividade, para não ser traído pela memória nem tirar conclusões precipitadas", ensina Yeda Varlota, consultora de secretarias municipais que estão implantando o sistema de ciclos.
Na Escola Cooperativa, em São Paulo, os professores usam diversas fichas. Uma funciona como diário de classe, registro de tudo o que acontece na sala de aula, com destaque para a participação de cada aluno. Assim que uma atividade é finalizada, são anotados os comentários sobre o que aconteceu. No final do trimestre, o dossiê vira base para o preenchimento da ficha de indicadores de avaliação. O documento contém informações sobre atitude, procedimentos e apreensão de conteúdos e conceitos. Antes da definição do parecer, porém, o estudante também faz sua auto-avaliação. "Queremos o mais completo registro do processo de aprendizagem", define a coordenadora pedagógica Suzir Palhares.
Ao dialogar com a turma, a escola divide a responsabilidade sobre o resultado. A auto-avaliação coloca o jovem como sujeito da própria educação e dá mais segurança ao educador, que muitas vezes teme ser injusto ou tendencioso na hora de dar notas. Na hora do conceito final, não há uma média matemática. O professor tem de rever o trabalho realizado. "Comparamos as últimas produções dos alunos com as primeiras. É a evolução que importa", afirma Marly de Souza Barbosa, professora de Língua Portuguesa da 3ª série na Cooperativa.
Para quem acha muito complexo envolver a garotada, existe uma velha prática tão eficiente quanto: o conselho de classe. "As reuniões podem ser o caminho para superar o sistema de notas", acredita Ilza Sant’Anna. "Elas servem para aperfeiçoar o trabalho docente e adaptar o currículo." Em Porto Alegre, a Escola Municipal Dolores Alcarás Caldas não tem boletim nem nota. O dossiê do educando é preparado durante as reuniões do conselho, quando a equipe discute o relatório do professor-titular e faz uma comparação com a auto-avaliação do aluno e da turma como um todo. A orientação gera é dividir a classe em grupos menores e trabalhar com cada um deles no contraturno pelo menos uma vez por semana. "Conforme as necessidades, crio tarefas específicas", diz Patrícia Costa, que leciona para o 1o ciclo.
Na Escola Estadual Emílio de Menezes, em Curitiba, a equipe pedagógica participa de seis encontros anuais com a direção (quatro pré-conselhos por turma e dois conselhos participativos). Nos primeiros, são discutidas as dificuldades de cada estudante. O reforço é coordenado por graduandos em Pedagogia, que se tornam padrinhos de um grupo ou de um aluno, acompanhando as atividades extraclasse. A idéia de envolver a família também surgiu numa dessas reuniões: pais são convidados a se sentar ao lado dos filhos na classe, ajudando o professor a detectar os motivos da falta de atenção ou da indisciplina.
Bons resultados
Observar, anotar, replanejar, envolver todos os alunos nas atividades de classe, fazer uma avaliação precisa e abrangente. E agora, o que fazer com os resultados? Segundo os especialistas, não se pode perder de vista que eles interessam a quatro públicos:
ao aluno, que tem o direito de conhecer o próprio processo de aprendizagem para se empenhar na superação das necessidades;
aos pais, também responsáveis pela educação dos filhos e por parte significativa dos estímulos que eles recebem;
ao professor, que precisa constantemente avaliar a própria prática;
à equipe docente, que deve garantir continuidade e coerência no percurso escolar da criança e do jovem.
Cipriano Luckesi diz que, "enquanto é avaliado, o educando expõe sua capacidade de raciocinar e criar histórias, seu modo de entender e de viver".
Essa é a razão pela qual todas as atividades avaliadas devem ser devolvidas aos autores com os respectivos comentários. Cuidado, porém, com o uso da caneta vermelha. Especialistas argumentam que ela pode constranger a garotada. Da mesma forma, encher o trabalho de anotações pode significar desrespeito. Tente ser discreto. Faça as considerações à parte ou use um lápis, ok?
Alguns educadores, como o espanhol Antoni Zabala e o suíço Philippe Perrenoud, defendem ainda que os detalhes da avaliação final permaneçam na privacidade aluno-professor. No Brasil prevalece outra corrente, com mais participação da comunidade escolar e da família. A Escola Projeto Vida, de São Paulo, não mantém os números finais restritos à sala de aula, mas procura um pouco de privacidade na hora de comunicá-los aos estudantes.
Os de 1ª a 4ª série recebem duas cartas por ano dos professores, uma no final do 2º bimestre e outra no início do 4º. Sueli dos Santos, que leciona na 2ª série, começa o texto ressaltando as qualidades do aluno e destacando as boas intervenções e as atitudes de cooperação. "No meio e no final, aponto os momentos nos quais ele poderia ter se saído melhor", afirma. Depois de ler a carta, cada um conversa com o mestre. Muitos escrevem de volta, revelando dificuldades e alegrias. "Avaliar é um ato amoroso", diz Luckesi. "Nós, professores, temos de acolher os acertos e erros do aluno para ajudá-lo a progredir."
Se você estiver diante de uma pilha de diários e precisa passar centenas de médias aritméticas avaliadas pelo sistema de provas, vá em frente. O ano está terminando e talvez não haja tempo para recomeçar o trabalho. No próximo ano, porém, que tal ler atentamente o quadro com as formas de avaliação mais comuns e encontrar as que, misturadas, melhor se adaptam à realidade de suas turmas? Com certeza, a aprendizagem dos alunos deixará de ser apenas um número — vermelho ou azul — num quadradinho do diário.
UM REFLEXO FIEL DA ESCOLA
Articulada ao projeto pedagógico, a avaliação da aprendizagem deve ser negociada com alunos e ir além do aspecto cognitivo

A maneira como uma escola avalia é o reflexo da educação que ela valoriza. Para Mere Abramowicz, essa prática deve ser capaz de julgar o valor do aluno e possibilitar que ele cresça, como indivíduo e como integrante de uma comunidade. "Em última instância, deve visar à superação da exclusão." A dimensão social da avaliação que ela considera ideal tem relação estreita com o pensamento de Paulo Freire, com quem Mere trabalhou durante mais de uma década. Ela é responsável pela linha de pesquisa em Avaliação e Currículo na pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Para a universidade, a pedagoga levou quase trinta anos de bagagem na rede estadual paulista, onde iniciou como alfabetizadora e chegou a supervisora de ensino. Mesmo longe, mantém os olhos voltados para o ensino público. Há um ano, participa de um projeto coletivo de pesquisa que analisa políticas públicas de avaliação (Saeb, Enem e Provão). Nesta entrevista, ela defende a formação contínua dos professores como condição para o sucesso do sistema de ciclos.
NOVA ESCOLA> Em um de seus artigos a senhora cita a seguinte frase do sociólogo suíço Philippe Perrenoud: "Mudar a avaliação significa, provavelmente, mudar a escola". O que isso quer dizer, exatamente?
Mere Abramowicz< A avaliação, a meu ver, é uma janela por onde se vislumbra toda a educação. Quando indagamos a quem ela beneficia, a quem interessa, questionamos o ensino que privilegia. Quando você se pergunta como quer avaliar, desvela sua concepção de escola, de homem, de mundo, de sociedade. Por isso essa frase tem muita razão de ser.
NE> Uma avaliação baseada em provas revela um modelo autoritário?
Mere< Numa prática positivista e tecnicista há uma ênfase na atribuição de notas e na classificação de desempenho, em testes e provas com resultados quantitativos e numéricos. Nela, o mais importante é o produto. Ou seja, reflete uma educação baseada na memorização de conteúdos. Já a avaliação qualitativa se baseia num paradigma crítico e visa à melhoria da qualidade da educação. Sua ênfase é no processo. Ela reflete um ensino que busca a construção do conhecimento.
NE> Isso quer dizer que a relação entre avaliação e projeto pedagógico é estreita...
Mere< A avaliação terá seu sentido mais autêntico e significativo se tiver articulação com o projeto político-pedagógico da escola. É ele que dá significado ao trabalho docente e à relação professor-aluno.
NE> Como ficam os educadores que trabalham em escolas que não se pautam por um projeto pedagógico consistente?
Mere< Acredito no projeto pedagógico, mas fundamentalmente na ação do mestre. Ele pode realizar um trabalho consistente, sério e comprometido de avaliação da aprendizagem em seu espaço de sala de aula. A autonomia docente existe e, graças a ela, as escolas avançam. Felizmente, existem educadores que conseguem colocar em prática suas propostas, às vezes até transgredindo uma sistemática. Num processo de avaliação da aprendizagem há um foco no todo, no coletivo. Mas há também um outro, nos dois protagonistas principais, que são o professor e o aluno. O primeiro precisa identificar exatamente o que quer e o segundo tem de ser parceiro. Hoje em dia o processo de negociação num trabalho de avaliação é fundamental. Essa negociação pressupõe a discussão coletiva de critérios.
NE> E esse diálogo deve continuar após a avaliação?
Mere< Assim como é fundamental explicitar os objetivos da avaliação para a classe, é preciso também dar o feedback. O estudante não pode ficar sem saber como se saiu.
NE> Como ele normalmente vê um insucesso?
Mere< Normalmente como um autofracasso, como deficiência e impossibilidade dele. De certa forma, o aluno individualiza a culpa.
NE> O que fazer quando se constata que os resultados não foram os esperados?
Mere< É preciso analisar o processo desenvolvido em termos de ensino-aprendizagem. A avaliação deve ser encarada como uma reorientação para uma aprendizagem melhor e para a melhoria do sistema de ensino. Além disso, todo professor deve ficar atento aos aspectos afetivos e culturais do estudante, não só aos cognitivos.
NE> Que importância deve ser dada à afetividade?
Mere< O processo de avaliação vem imbricado com uma gama de emoções e aspirações. Durante muito tempo, analisou-se a avaliação desvinculada desse fator de afetividade e o que ocorria era uma análise imperfeita, porque há uma dialética entre o afetivo e o cognitivo.
NE> Como o docente pode levar em conta a afetividade?
Mere< Os indicadores de afetividade permeiam a relação com a criança e seu desempenho. Eles estão claros no entusiasmo e na paixão ao apresentar o resultado de uma pesquisa, ao descobrir a solução de um problema, ao vibrar com um trabalho realizado. Para que eles sejam levados em conta, a observação é fator essencial.
NE> Que outros meios o educador deve utilizar para realizar uma boa avaliação?
Mere< Não existe fórmula pronta. Se são dadas diretrizes claras, o professor faz seu caminho, graças à sua criatividade. Esses recursos devem ser, além de diversificados, participativos, democráticos, relevantes, significativos e rigorosamente construídos. Hoje, usamos até a expressão "portfólio de propostas de avaliação". Diversificando os instrumentos é possível abranger todas as facetas do desempenho de um estudante.
NE> A avaliação ainda coloca o poder nas mãos do mestre?
Mere< Ela está sempre relacionada com o poder na medida em que significa controle. Num modelo tecnicista, em que se privilegia a atribuição de notas e a classificação dos estudantes, ela é ameaçadora, uma verdadeira arma. O poder está no cerne da avaliação e pode ser um instrumento de dominação, despertando medo. Por outro lado, ela pode promover o bem comum.
NE> Este é o seu ideal de avaliação?
Mere< Eu vejo a avaliação como um processo dialógico, interativo, que visa fazer do indivíduo um ser melhor, mais crítico, mais criativo, mais autônomo, mais participativo. Acredito numa avaliação que leve a uma ação transformadora e também com sentido de promoção social, de coletividade, de humanização.
NE> A qualidade da avaliação praticada por um educador tem relação com sua formação?
Mere< A história pessoal do professor e o jeito como ele foi avaliado quando era estudante iluminam sua maneira de atuar. Depois, essa marca de identidade vai sendo modificada com a formação.
NE> E essa formação incorpora a grande produção acadêmica existente hoje?
Mere< As pesquisas mostram que poucos desses estudos atingem efetivamente a prática do docente. O primeiro motivo é que as pesquisas não são adequadamente divulgadas. O professor quase não tem acesso a esses resultados e, quando tem, é de uma forma precária. O que ele consegue fazer, com competência, é tentar acompanhar livros e periódicos, mas acho que há um espaço de articulação entre as pesquisas universitárias e a escola que precisa ser preenchido.
NE> A avaliação influencia a elaboração do currículo?
Mere< Em suas várias dimensões, ela é um dos elementos essenciais na preparação de um currículo. A da aprendizagem, feita na sala de aula, é a primeira. Ela vai contribuir para a avaliação da disciplina, do curso, da escola e do currículo dessa escola. Só assim se medem os resultados para retroinformar as pessoas que elaboram esse currículo, visando o aperfeiçoamento de seu trabalho e a melhoria do processo educacional.
NE> Como a senhora vê o sistema de ciclos, que dá ao aluno a oportunidade de aprender num período de tempo maior, mas que desagrada a muitos docentes, que se sentem sem um instrumento de pressão nas mãos?
Mere< Infelizmente a escola brasileira ainda é excludente e são altos os índices de reprovação. Os ciclos dão um tempo para a criança que não é necessariamente traduzido por bimestre ou semestre, partindo de onde ela está e fazendo sempre com que progrida continuamente. Esse sistema, porém, só pode ser bem-sucedido se forem garantidas algumas condições, como uma nova proposta pedagógica que valorize a articulação com a comunidade. Além disso, é essencial dar um novo papel ao professor e garantir a ele uma boa formação contínua, com ênfase no trabalho coletivo. Estou convencida de que os professores que usam inadequadamente a avaliação só o fazem porque não estão devidamente preparados.
LIVROS RECOMENDADOS

Avaliação Educacional: Fundamentos e Práticas,
Isabel Cappelletti (org.), 147 págs., Ed. Articulação Universidade/Escola, tel. (0_ _11) 3672-2664, 15 reais
Avaliação Emancipatória,
Ana Maria Saul, 152 págs., Ed. Cortez,
tel. (0_ _11) 3864-0111, 16 reais
Avaliando a Avaliação da Aprendizagem — Um Novo Olhar,
Mere Abramowicz, 198 págs., Ed. Lúmen, esgotado (ver em bibliotecas)
Avaliação Desmistificada, Charles Hadji, 136 págs., Ed. Artmed,
tel. (0_ _ 51) 330-3444, 21 reais
Avaliação da Aprendizagem: Prática de Mudança, Celso Vasconcelos, 120 págs., Ed. Libertad, tel. (0_ _11) 5062-8515, 18 reais
Avaliação: Superação da Lógica Classificatória e Excludente,
Celso Vasconcelos, 120 págs., Ed. Libertad, 18 reais
Como Trabalhar Conteúdos Procedimentais em Aula, Antoni Zabala,
198 págs., Ed. Artmed, 34 reais
A Prática Educativa, Antoni Zabala, 224 págs., Ed. Artmed, 36 reais
No ambiente escolar, a avaliação só faz sentido quando serve para auxiliar o estudante a superar as dificuldades

Notas fechadas, boletins entregues, diários de classe arquivados. Missão cumprida? Não para Cristiane Ishihara, professora de Matemática das 5as séries no Colégio Assunção, em São Paulo. Como faz ao final de cada bimestre, ela vai pegar as anotações que fez em sala de aula, os resultados dos exames e os questionários que a turma responde após as provas. Tudo com um objetivo: avaliar o próprio desempenho. "Dar provas, corrigi-las e entregá-las não é mais suficiente para mim. Preciso saber onde estou falhando para planejar o que e como ensinar", afirma. Cristiane está dando o primeiro e mais importante passo rumo a um sistema de avaliação escolar justo e motivador. Culpar o aluno pelas notas baixas, o desinteresse ou a indisciplina nem passa pela cabeça dela. "Basta que alguns tenham ido mal nas provas para eu saber que preciso mudar de didática ou reforçar conteúdos".
Ao rever seu trabalho, Cristiane mostrou que está mesmo no caminho certo. "Não interessa o instrumento utilizado. Pode ser prova, chamada oral, trabalho em grupo ou relatório. O importante é ter vontade de mudar e usar os resultados para refletir sobre a prática", explica o consultor e educador Celso Vasconcelos. Para ele, de nada adianta selecionar novos conteúdos ou métodos diferentes de medir o aprendizado se não houver intencionalidade — palavra que ele define, em tom de brincadeira, como "a intenção que vira realidade". "Enquanto os alunos se perguntam o que fazer para recuperar a nota, os professores devem se questionar como recuperar a aprendizagem", aconselha.
Mas por que mudar se tudo está correndo bem? O professor ensina, o aluno presta atenção e faz a prova. Se foi bem, aprendeu. Se foi mal, azar — é preciso seguir com o currículo. Esse sistema, cristalizado há séculos, deposita nos conteúdos uma importância maior do que eles realmente têm. Até os anos 60, 80% do que se ensinava eram fatos e conceitos. A prova tradicional avaliava bem o nível de memorização dos alunos. Hoje, essa cota caiu para 30%. Além de fatos e conceitos, os estudantes devem conhecer procedimentos, desenvolver competências. E a mesma prova escrita continua a ser aplicada...
Se a missão da escola ao raiar do século XXI é desenvolver as potencialidades das crianças e transformá-las em cidadãos, a finalidade da avaliação tem de ser adaptada, certo? "Na minha opinião, seu principal papel deve ser ajudar o aluno a superar suas necessidades a partir de mudanças efetivas nas atividades de ensino", define Vasconcelos. "O ideal é que ela contribua para que todo estudante assuma poder sobre si mesmo, tenha consciência do que já é capaz e em que deve melhorar", diz Charles Hadji, professor e diretor do Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Grenoble, na Suíça (leia entrevista).
É consenso entre os educadores que o aprendizado, na sala de aula, não se dá de forma uniforme. Cada um de nós tem seu ritmo, suas facilidades e dificuldades. Afinal, somos pessoas distintas. O que complica bastante a vida do professor, que passa a ter de avaliar cada aluno de um jeito. "Sim, todos merecem ser julgados em relação a si mesmos, não na comparação com os colegas", afirma o espanhol Antoni Zabala, especialista em Filosofia e Psicologia da Educação e professor da Universidade de Barcelona. "Não dá para fugir", continua ele. "É essencial atender à diversidade dos estudantes."
Ele dá um exemplo. "Que altura deve pular um jovem de 11 anos?" A resposta é: "Depende..." Depende de sua potência motora, de suas capacidades físicas e emocionais, das experiências anteriores e do treinamento, do interesse pela atividade e muito mais.
Por isso, alguns saltam 80 centímetros. Outros, 1 metro. Poucos, 1,20 metro. "Se estabelecemos uma altura fixa, excluímos os que não conseguirem chegar lá no dia em que a habilidade for medida". Da mesma forma, "quanto" deve saber uma criança? A resposta também é depende. De sua história, dos conhecimentos prévios, da relação com o saber e de incontáveis outros fatores. E não existe ninguém mais capacitado do que o professor para saber "quanto" essa criança domina (ou tem a obrigação de dominar) em termos de conteúdos, conceitos e competências.
O papel do desejo
Quando a escola não leva isso em conta, o estrago é inevitável. Estudos realizados pela pesquisadora Kátia Smole sobre o impacto da avaliação na auto-estima do aluno mostram que os boletins baseados no desempenho em provas têm apenas uma função: classificar a garotada em "bons" ou "maus", o que tem cada vez menos utilidade. "O pressuposto de que existe uma inteligência padrão está ultrapassado", avalia. Segundo ela, o que acaba ocorrendo são desvios no objetivo maior da escola, que é ensinar. Ao sentenciar que uns são mais e outros, menos, o saber fica em segundo plano. "O jovem valoriza a nota, não o aprendizado", exemplifica. "Em vez de se relacionar com o mundo, ele só vai querer aprender em troca de prêmio (a nota) e, nesse ambiente, só sobrevive quem se adapta ao toma lá, dá cá."
Mas existe uma conseqüência mais nefasta: tirar da criança a vontade de aprender. Afinal, só existe motivação quando há desejo. O aluno que não valoriza o saber não tem motivos para cobiçá-lo. "O antigo sistema forma pessoas submissas e intolerantes. Quem não consegue atender à expectativa do professor e da sociedade acaba marginalizado", analisa Kátia.
Antoni Zabala apresenta exemplos bem práticos — e recheados de comparações com fatos do dia-a-dia — para ajudar a desatar esse grande nó. "O professor deve ser um misto de nutricionista e cozinheiro", diz ele. "O primeiro preocupa-se em elaborar refeições saudáveis e o outro quer pratos apetitosos. No planejamento da aula, devemos agir como nutricionistas, pensando nas competências que o aluno deve desenvolver. Na classe, precisamos atuar como cozinheiros, propondo atividades interessantes e que possam ser executadas com prazer."
Na sua opinião, a avaliação completa envolve quatro etapas, tantas quantas uma dona-de-casa executa ao fazer compras. "Ela vê o que tem na despensa, lista o que falta, estabelece objetivos — como preparar refeições balanceadas — e vai ao mercado", descreve. "Lá, ela começa uma série de observações, que podem mudar os rumos da tarefa original. Se um produto estiver muito caro, a saída será buscar outro ponto de venda. Se estiver estragado, terá de ser substituído por outro de semelhante valor nutritivo."
Traduzindo para a sala de aula, o professor precisa de objetivos claros, saber o que os alunos já conhecem e preparar o que eles devem aprender — tudo em função de suas necessidades (avaliação inicial). O segundo passo é selecionar conteúdos e atividades adequadas àquela turma (avaliação reguladora). Periodicamente, ele deve parar e analisar o que já foi feito, para medir o desempenho dos estudantes (avaliação final). Ao final, todo o processo tem de ser repensado, de forma a mudar os pontos deficientes e aperfeiçoar o ensino e a aprendizagem (avaliação integradora). Clique aqui para conhecer um exemplo muito objetivo de como fazer isso, com estratégias específicas para vários conteúdos, tendo como ponto de partida o estudo da Bacia Amazônica.
A primeira pergunta que professores, coordenadores e diretores devem fazer é: Com que objetivo vamos avaliar? Para formar pessoas ou futuros universitários? Para classificar e excluir alunos ou para ajudá-los a aprender? Para humilhá-los com suas dificuldades ou incentivá-los com suas conquistas? É importante frisar que não existe resposta certa ou errada. Ela está no projeto pedagógico de cada escola. Se a opção é selecionar os melhores e excluir os outros, então a melhor saída é a boa e velha prova. Caso o compromisso seja no sentido de incentivar o aluno a enfrentar desafios, então a conversa muda de rumo.
Infelizmente, não existe uma fórmula mágica. Ao contrário. "A escola ideal, que atenda à formação de cada um individualmente, não existirá nunca. Mas estabelecer que esse é o horizonte aumenta as chances de acertar o caminho", acredita Zabala. Celso Vasconcelos também entende que o sistema tradicional não atende aos objetivos da escola do terceiro milênio, mas acha que é possível democratizá-lo. "Se a nota for dinâmica e servir como indicadora da situação do aluno naquele momento, ela pode apontar rumos a seguir".

"Enquanto os alunos se perguntam o que fazer para recuperar a nota, os docentes devem sempre se questionar sobre a melhor maneira de questionar sobre a melhor maneira de recuperar a aprendizagem"
Celso Vasconcelos
Íntegra da entrevista

"O professor tem de ser um misto de nutricionista e cozinheiro para elaborar refeições saudáveis e pratos apetitosos, ou seja, desenvolver atividades prazerosas e eficientes"
Antoni Zabala
Íntegra da entrevista


"É preciso romper definitivamente o estereótipo do mestre com a fita métrica na mão, pronto para medir, julgar e rotular cada um de seus estudantes"
Luiz Carlos de Menezes


Incentivo ao aprender
É justamente o que faz Cristiane Ishihara. Ela criou um jeito próprio de melhor aproveitar o exame. Dias depois de aplicá-lo, ela o distribui novamente, em branco, e pede que cada aluno responda, para cada problema proposto, se:
fez e está seguro de que aprendeu;
fez, mas não está seguro de que tenha aprendido;
fez, mas tem certeza de que errou por ter-se confundido na resolução;
fez, mas tem certeza de que errou porque não aprendeu;
se não fez, qual o motivo.
"Essa foi a maneira que encontrei de colocar a prova a serviço dos estudantes", explica. Depois de tabular as respostas, ela detecta as dificuldades gerais da turma e as específicas de um determinado grupo, além do nível de segurança de cada um em relação aos conteúdos. Se a maioria apresentou deficiência, Cristiane ensina tudo de outra maneira. Se alguns não aprenderam, ela prepara exercícios para ser trabalhados em casa ou na sala de aula.
De mestre a parceiro
Esse método é elogiado por especialistas. "A dificuldade do aluno deve mesmo ser encarada como um desafio pelo professor", endossa Luiz Carlos de Menezes, físico, educador e um dos autores da matriz de competências do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). "O importante é que a avaliação esteja fundamentada, explicando claramente aqueles tópicos em que o estudante avançou e quais ele ainda precisa trabalhar." Sem esquecer, é claro, de mostrar como isso pode ser feito.
Dessa maneira, o educador se torna um parceiro, que quer e vai ajudar: "É preciso romper definitivamente o estereótipo do mestre com a fita métrica na mão, pronto para medir, julgar e rotular cada um de seus estudantes." Assim como Zabala e Vasconcelos, Menezes encara a prova com muitas restrições, pois ela geralmente é centrada na memorização e no uso de algoritmos e foca conteúdos científicos com dia e hora marcada para acontecer.
É por isso que muitos apontam o professor de Educação Infantil como um modelo a ser seguido. Todos os dias, ele oferece atividades diferentes e criativas para reter a atenção das crianças, orienta todo o trabalho, que geralmente é feito em grupo, e observa. Observa muito, e aí está o segredo. A cada dois ou três meses elabora um relatório para os pais, enumerando os pontos em que o aluno avançou e os que precisam ser trabalhados, tanto no que diz respeito a conhecimentos como a atitudes (conheça experiência do Colégio Pueri Domus).
Mas como olhar atentamente e conhecer bem cada estudante, se as classes têm 30 ou 40 deles e o professor tem duas ou três aulas por semana com diversas turmas, que mudam todos os anos? Já imaginou propor atividades diferentes de acordo com o nível de aprendizado e, ainda por cima, fazer um relatório personalizado no final de cada bimestre?
Sim, é possível fazer isso. A saída mais eficiente, dizem os especialistas, é propor trabalhos em grupo, que permitem observar melhor as atitudes individuais e coletivas. Menezes sugere ainda que se dê prioridade a estudos do meio, com propostas de atividades variadas, nas quais todos tenham a chance de explorar suas potencialidades. Um bom exemplo disso é o Colégio Lourenço Castanho, que organiza viagens com finalidades didáticas.
Outro consenso é a importância da auto-avaliação. Ela está diretamente ligada a um dos objetivos fundamentais da educação: aprender a aprender. É óbvio que o próprio aluno tem as melhores condições de dizer o que sabe e o que não sabe, se um determinado método de ensino foi ou não eficaz no seu aprendizado e de que maneira ele acredita que pode compreender determinados conteúdos com mais facilidade. Para isso, basta conversar com a turma, de forma sincera e direta, ou fazer questionários onde todos possam expor livremente suas críticas e sugestões. Quanto mais freqüentes forem essas conversas mais rapidamente aparecerão os problemas e, o que realmente importa, as respectivas soluções. Para caminhar nessa direção, as escolas da rede municipal de João Monlevade, em Minas Gerais, estão se reinventando.
"Disciplinas, espaço e tempo devem ser instrumentos da educação, não seus carrascos", resume Zabala. E você? Gostou do que leu nessa reportagem e quer transformar sua escola? Ouça o conselho de Zabala. "Se você quer mudar as formas de avaliar, parabéns. O passo mais importante para a mudança acaba de ser dado."
AVALIAÇÃO – O CHECK UP DO ENSINO
Os supertestes aplicados aos alunos revelam os problemas da escola, mas não curam as doenças dela. Só ajudam se forem empregados em ações sobre a educação
Adriana Vera e Silva, Denise Pellegrini e Camila Guimarães


Seus alunos ou os de algum colega seu certamente participaram de um dos recentes supertestes, aquelas provas respondidas por milhares de estudantes de uma cidade, de um Estado ou de centenas de escolas espalhadas por todo o país. Muita gente anda se perguntando para que serve isso. É simples: para ver como vai o ensino.
A avaliação é um instrumento para o planejamento das políticas de educação. "O objetivo é identificar problemas e dar solução a eles", define uma das maiores autoridades em ensino do país, Heraldo Marelim Vianna, da Fundação Carlos Chagas, de São Paulo. "Não estamos avaliando o aluno nem tentando punir o professor", esclarece Claudia Davis, da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), também de São Paulo.
Avaliar e agir
Mas só avaliar não adianta. "É preciso juntar os resultados da avaliação a ações sobre o ensino", explica Maria Inês Pestana, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas em Educação (Inep), autarquia ligada ao Ministério da Educação e do Desporto (MEC).
Esse tipo de prova é cada vez mais comum, aqui e em outros países. A tendência de ficar de olho no ensino surgiu porque ajuda os governos a evitar desperdícios, pois os testes indicam as áreas da educação com maiores problemas, que precisam receber mais investimentos. Além disso, eles mostram casos de sucesso, exemplos a ser seguidos.
As avaliações não ensinam receitas milagrosas para dar qualidade ao ensino. "O que funciona num contexto não funciona em outro", esclarece Heraldo Vianna. Mas elas ajudam a encontrar fatores associados ao bom aprendizado.
Diferentes métodos
Os exames adotam diversas metodologias. Alguns, mais gerais, são aplicados a apenas um grupo de estudantes, numa amostragem. Assim funcionam os testes do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), que trazem dados para o MEC. Outros, como os de Minas Gerais e São Paulo, são aplicados a todos os estudantes de determinadas séries. Com isso, cada escola pode tratar de seus próprios problemas.
Os supertestes provocam polêmica porque algumas pessoas acham que eles medem só a capacidade de reter informações e reproduzi-las. Alguns técnicos, entretanto, defendem que eles realmente medem habilidades gerais dos estudantes. É importante entender que essas provas servem apenas para políticas de ensino. Na sala de aula é diferente: o professor deve considerar também a criatividade e a capacidade do aluno.
INGREDIENTES DA ESCOLA EFICAZ
Os supertestes comprovam idéias já antigas dos educadores sobre o que dá eficiência ao ensino. Pro-vam, também, que não há ingredientes infalíveis de sucesso, pois cada escola tem seu próprio perfil. Alguns fatores da escola eficaz confirmados pelos testes são:
• confiança na capacidade do aluno
• participação da família e da comunidade na vida escolar
• professores que trabalham em conjunto
• presença de uma liderança ativa na escola
• empenho da escola em ensinar, o que é mais importante do que o método pedagógico
• boa organização do tempo e do espaço de trabalho pedagógico
• nível social do aluno, embora não seja um fator definitivo
• nível de educação dos pais, que também não é um fator definitivo

Um comentário:

  1. muito bom este texto, ajuda e orienta os futuros professores de como avaliar e se comportar diante do seus alunos!

    ResponderExcluir