quarta-feira, 7 de julho de 2010

DIAGNOSTICO PSICOPEDAGÓGICO

APOSTILA DE EMBASAMENTO PARA A APLICAÇÃO DO DIAGNOSTICO PSICOPEDAGOGICO CLINICO
1.1 Psicopedagogia: história, conceituação e campo de atuação

A psicopedagogia nasceu da necessidade de uma melhor compreensão do
processo de aprendizagem e se tornou uma área de estudo específica que busca conhecimento em outros campos e cria seu próprio objeto de estudo (Bossa,2000, p. 23). Ocupa-se do processo de aprendizagem humana: seus padrões de desenvolvimento e a influência do meio nesse processo.
A clínica psicopedagógica corresponde a um de seus campos de atuação, cujo objetivo é diagnosticar e tratar os sintomas emergentes no processo de aprendizagem. O diagnóstico psicopedagógico busca investigar, pesquisar para averiguar quais são os obstáculos que estão levando o sujeito à situação de não aprender, aprender com lentidão e/ou com dificuldade; esclarece uma queixa do próprio sujeito, da família ou da escola. (Weiss apud Scoz, 1991, p. 94).
A psicopedagogia no Brasil, há trinta anos, vem desenvolvendo um quadro teórico próprio. “É uma nova área de conhecimento, que traz em si as origens e contradições de uma atuação interdisciplinar, necessitando de muita reflexão teórica e pesquisa” (Bossa, op.cit, p.13).
A Psicopedagogia se ocupa da aprendizagem humana, o que adveio de uma demanda – o problema de aprendizagem, colocando num território pouco explorado, situado além dos limites da Psicologia e da própria Pedagogia – e evolui devido a existência de recursos, para atender esta demanda, constituindo-se assim, numa prática. Como se preocupa com o problema de aprendizagem, deve ocupar-se inicialmente do processo de aprendizagem. Portanto vemos que a psicopedagogia estuda as características da aprendizagem humana: como se aprende, como esta aprendizagem varia evolutivamente e está condicionada por vários fatores, como se produzem as alterações na aprendizagem, como reconhecê-las, tratá-las e preveni-las. Este
objeto de estudo, que é um sujeito a ser estudado por outro sujeito, adquire características específicas a depender do trabalho clínico ou preventivo (Idem, p. 21).
A distinção entre o trabalho clínico e o preventivo é fundamental. O primeiro visa buscar os obstáculos e as causas para o problema de aprendizagem já instalado; e o segundo, estudar as condições evolutivas da aprendizagem apontando caminhos para um aprender mais eficiente. Vejamos a definição de Bossa (Idem,p.21) sobre os dois campos de atuação da psicopedagogia:
O trabalho clínico dá-se na relação entre um sujeito com sua história pessoal e sua modalidade de aprendizagem, buscando compreender a
mensagem de outro sujeito, implícita no não-aprender. Nesse processo, onde investigador e objeto-sujeito de estudo interagem constantemente, a própria alteração torna-se alvo de estudo da Psicopedagogia. Isto significa que, nesta modalidade de trabalho, deve o profissional compreender o que o sujeito aprende, como aprende e porque, além de perceber a dimensão da relação entre psicopedagogo e sujeito de forma a favorecer a aprendizagem”. No enfoque preventivo “a instituição, enquanto espaço físico e psíquico da aprendizagem, é objeto de estudo da Psicopedagogia, uma vez que são avaliados os processos didático-metodológicos e a dinâmica institucional que
interferem no processo de aprendizagem.
No exercício clínico, o psicopedagogo deve reconhecer seu processo de
aprendizagem, seus limites, suas competências, principalmente a intrapessoal e a interpessoal, pois seu objeto de estudo é um outro sujeito, sendo essencial o conhecimento e possibilidade de diferenciação do que é pertinente de cada um. “Essa inter-relação de sujeitos, em que um procura conhecer o outro naquilo que o impede de aprender, implica uma temática muito complexa” (Ibidem., p. 23).
O psicopedagogo tem como função identificar a estrutura do sujeito, suas transformações no tempo, influências do seu meio nestas transformações e seu relacionamento com o aprender. Este saber exige do psicopedagogo o
conhecimento do processo de aprendizagem e todas as suas inter-relações com outros fatores que podem influenciá-lo, das influências emocionais, sociais, pedagógicas e orgânicas. Conhecer os fundamentos da Psicopedagogia implica refletir sobre suas origens teóricas e entender como estas áreas de conhecimento são aproveitadas e transformadas num novo quadro teórico próprio, nascido de sementes em comum.
A Psicologia e a Pedagogia são as áreas “mães” da psicopedagogia, mas não são suficientes para embasar todo o conhecimento necessário. Desta forma, foi preciso recorrer a outras áreas, como a Filosofia, a Neurologia, a Sociologia, a Psicolingüística e a Psicanálise, no sentido de alcançar uma compreensão multifacetada do processo de aprendizagem.
Nesse lugar do processo de aprendizagem coincidem um momento
histórico, um organismo, uma etapa genética da inteligência e um sujeito associado a tantas outras estruturas teóricas, de cuja engrenagem se ocupa e preocupa a Epistemologia; referimo-nos principalmente ao materialismo histórico, à teoria piagetiana da inteligência e a teoria psicanalítica de Freud, enquanto instauram a ideologia, a operatividade e o inconsciente (Pain,1985, p.15).
O campo de atuação da psicopedagogia é focado no estudo do processo de aprendizagem, diagnóstico e tratamento dos seus obstáculos, sendo o psicopedagogo responsável por detectar e tratar possíveis obstáculos no processo de aprendizagem; trabalhar o processo de aprendizagem em instituições de indivíduos ou grupos e realizar processos de orientação educacional, vocacional e ocupacional, tanto na forma individual ou em grupo.
As áreas de estudo se traduzem na observação de diferentes dimensões no
processo de aprendizagem: orgânico, cognitivo, emocional, social e pedagógico.
“A interligação desses aspectos ajudará a construir uma visão gestáltica da pluricausalidade deste fenômeno, possibilitando uma abordagem global do sujeito em suas múltiplas facetas” (Weiss, 1992, p. 22).
A dimensão emocional está ligada ao desenvolvimento afetivo e sua relação com a construção do conhecimento e a expressão deste através de uma produção gráfica ou escrita. A psicanálise é a área que embasa esta dimensão, trata dos aspectos inconscientes envolvidos no ato de aprender, permitindo-nos levar em conta a face desejante do sujeito. Neste caso, o não aprender pode expressar uma dificuldade na relação da criança com seu grupo de amigos ou com a sua família, sendo o sintoma de algo que não vai bem nesta dinâmica.
A dimensão social está relacionada à perspectiva da sociedade, onde estão inseridas a família, o grupo social e a instituição de ensino. A Psicologia Social é a área responsável por este aspecto. Encarrega-se da constituição dos sujeitos, que responde às relações familiares, grupais e institucionais, em condições socioculturais e econômicas específicas e que contextualizam toda a
aprendizagem. Um exemplo de sintoma do não aprender relacionado a este
aspecto pode acontecer pelo fato do sujeito estar vivendo realidades em dois
grupos de ideologia e prática com muitas diferenças.
A dimensão cognitiva está relacionada ao desenvolvimento das estruturas cognoscitivas do sujeito aplicadas em diferentes situações. No domínio desta dimensão, devemos incluir a memória, a atenção, a percepção e outros fatores que usualmente são classificados como fatores intelectuais. A Epistemologia e a Psicologia Genética são as áreas de pano de fundo para este aspecto. Encarregase de analisar e descrever o processo construtivo do conhecimento pelo sujeito em interação com os outros objetos.
A dimensão pedagógica está relacionada ao conteúdo, metodologia, dinâmica de sala de aula, técnicas educacionais e avaliações aos quais o sujeito é submetido no seu processo de aprendizagem sistemática. A Pedagogia contribui com as diversas abordagens do processo ensino aprendizagem, analisando-o do ponto de vista de quem ensina.
A dimensão orgânica está relacionada à constituição biofisiológica do sujeito que aprende. A medicina e, em especial, algumas áreas específicas contribuem para o embasamento deste aspecto. Os fundamentos da Neurolingüística possibilitam a compreensão dos mecanismos cerebrais que subjazem ao aprimoramento das atividades mentais. Sujeitos com alteração nos órgãos sensoriais terão o processo de aprendizagem diferente de outros, pois precisam desenvolver outros recursos para captar material para processar as informações.
A Lingüística é a área que atravessa todas as dimensões. Apresenta a
compreensão da linguagem como um dos meios que caracteriza o tipicamente
humano e cultural: a língua enquanto código disponível a todos os membros de
uma sociedade e a fala como fenômeno subjetivo, evolutivo e historiado de acesso à estrutura simbólica.
Nenhuma dessas áreas surgiu para responder especificamente a questões da aprendizagem humana. No entanto, fornecem meios para refletirmos cientificamente e operarmos no campo psicopedagógico.
A figura [1.1] abaixo, retirada de Weiss (idem, p.25) ilustra o relacionamento das áreas de estudo no construto teórico da psicopedagogia clínica, correspondendo ao que chamamos anteriormente de dimensão.
Figura 1.1 – Aspectos relacionados ao processo de aprendizagem.
1.2 O Diagnóstico Psicopedagógico

A não aprendizagem na escola é uma das causas do fracasso escolar. Segundo Weiss (idem, p.16) considera-se fracasso escolar uma resposta insuficiente do aluno a uma demanda da escola. A questão do fracasso escolar na perspectiva psicopedagógica clínica deverá ser analisada considerando-se as relações existentes entre a produção escolar, o contexto sócio-cultural, a estrutura orgânica e a estrutura interna do sujeito. Weiss (idem, p. 22) ainda afirma que a aprendizagem normal se dá de forma integrada no aluno, no seu pensar, sentir, falar e ouvir.
O diagnóstico é em si uma investigação que segue parâmetros definidos pelo psicopedagogo para buscar as causas de uma queixa do sujeito, da família ou da escola. O foco do diagnóstico é o obstáculo no processo de aprendizagem. O objetivo do diagnóstico não é a inclusão do sujeito em uma categoria do não aprender, mas obter uma compreensão global da sua forma de aprender e dos desvios que estão ocorrendo neste processo que leve a um prognóstico e encaminhamento para o problema de aprendizagem. Procura-se organizar os dados obtidos em relação aos diferentes aspectos envolvidos no
processo de aprendizagem de forma particular, pertencentes somente àquele sujeito investigado. Nesta perspectiva, estamos submetendo o diagnóstico
psicopedagógico ao método clínico (Idem, p.28).
Entendemos método clínico como um método de conversação livre com a criança sobre um tema dirigido pelo interrogador, que segue as respostas da criança, que lhe pede que justifique o que diz, explique, diga por que, que lhe faz contra-sugestões, etc. Segue-se a criança em cada uma de suas respostas. Sempre guiado por ela, faz-se com que ela fale cada vez mais livremente. Assim, acaba-se por obter, em cada um dos domínios da inteligência um procedimento clínico de exame, análogo ao que os psiquiatras adotaram como meio de diagnóstico. (Carraher, 1998, p.6).
Ao realizar as experiências com as crianças, deve-se procurar seguir
determinados passos, tendo objetivos a serem alcançados, no sentido de
compreender como as crianças percebem determinados fenômenos e quais são suas teorias a respeito. A partir destes estudos, é possível refletir sobre como se processa a aprendizagem e o que se pode propor para tal.
Esta forma de atuar na clínica psicopedagógica possibilita ao terapeuta levantar hipóteses provisórias que poderão ser testadas continuamente ao longo do diagnóstico até chegar a uma hipótese final, que resultará no relato de devoluçãopara a família.
A dificuldade percebida pelo indivíduo, pela escola, família e grupo social é o sintoma, ou seja, “o que emerge da personalidade em interação com o sistema social em que está inserido o sujeito” (Weiss, op. cit. 1992, p.28). Podemos dizer que um obstáculo apresentado em uma situação pode não aparecer em outro contexto diferente.
A partir da constatação de um desvio no processo de aprendizagem, é necessário que se formule a pergunta: “desvio em relação a quê?” Esta parametrização é fundamental no processo diagnóstico, pois irá definir a qualidade e a quantidade deste desvio e sua importância no desenvolvimento escolar. Depois de analisado o desvio, é possível planejar o diagnóstico.
Para começar o processo diagnóstico o terapeuta precisa considerar dois grandes eixos de análise que devem interagir de forma dialética (figura [1.2]): o horizontal (a-histórico) e o vertical (histórico). No eixo horizontal, explora-se basicamente a situação do presente, buscando as causas que existem em paralelo no tempo como sintoma. No eixo vertical, ou seja, histórico, procura-se entender a construção geral do indivíduo contextualizando no tempo.
Figura 1.2 – Figura retirada de Weiss 2000 página 30.
Em um diagnóstico, um dos pontos mais importantes é a competência e
sensibilidade do terapeuta em explorar todas as dimensões, ou aspectos como denomina Weiss, aplicando-as aos dois eixos principais.
Tratando o sintoma como um desvio de aprendizagem, é necessário que o foco não esteja somente no sujeito, mas também nas suas relações com seu grupo social, instituição e objeto de aprendizagem.
Para Weiss (op. cit.), o objetivo principal do diagnóstico psicopedagógico é identificar os desvios e os obstáculos básicos no Modelo de Aprendizagem1 do sujeito que o impedem de crescer na aprendizagem dentro do esperado pelo meio social. Para conhecer esse Modelo de aprendizagem é necessária a análise dos dados colhidos com a escola, a família e o sujeito na perspectiva dos dois eixos descritos acima.
Da integração de dados obtidos surge o prognóstico e o conteúdo para a
formulação da hipótese final para a entrevista de devolução diagnóstica.
A relação sujeito-terapeuta é também de fundamental importância para o processo diagnóstico. A qualidade e a validade do diagnóstico dependerão dessa relação.
Tudo na comunicação entre estes dois sujeitos deverá ser analisada durante o
diagnóstico: a fala, os gestos, os silêncios, a linguagem corporal, etc.
1 Como Modelo de Aprendizagem entende-se “o conjunto dinâmico que estrutura os conhecimentos que o sujeito já possui, os estilos usados nessa aprendizagem, o ritmo e áreas de expressão da conduta, a mobilidade e o funcionamento cognitivos, os hábitos adquiridos, as motivações presentes, as ansiedades, defesas e conflitos em relação ao aprender, as relações vinculares com o conhecimento em geral e com o objeto de conhecimento escolar, em particular, e o significado da aprendizagem escolar para o sujeito, sua escola e sua família” (Weiss, 2000, p.32).

1.2.1 Etapas do diagnóstico

O diagnóstico psicopedagógico é composto de várias etapas que se distinguem pelo objetivo da investigação em um dos eixos e dimensões apresentadas. Desta forma, temos momentos de anamnese só com os pais ou com toda a família para a compreensão das relações familiares e sua relação com o Modelo de aprendizagem do sujeito; de avaliação da produção escolar e dos vínculos com objetos de aprendizagem escolar; de pesquisa sobre os processos de construção e desempenho das estruturas cognitivas (diagnóstico operatório); de avaliação de desempenho em teste de inteligência e viso-motores; de análise dos aspectos emocionais por meio de testes e sessões lúdicas, de entrevistas com a escola ou outras instituições em que o nosso sujeito faça parte; etc. Esses momentos podem ser estruturados dentro de uma seqüência diagnóstica estabelecida a cada caso após os contatos iniciais.
Existem diferentes modelos de seqüência diagnóstica, como os que trouxeram para a psicopedagogia a herança da clínica psicológica tradicional, cujo diagnóstico é composto de anamnese (entrevista com a família buscando
conhecer a história do sujeito), testagem e provas pedagógicas, laudo (relatório) e devolução ao paciente ou família, necessariamente nesta ordem, ou como a proposta da Epistemologia Convergente de Jorge Visca (1987), em que a seqüência diagnóstica é composta de uma Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (EOCA), testes para averiguar a estrutura cognitiva e emocional, entrevista de anamnese e elaboração do informe psicopedagógico para o sujeito e para a família.
Adotaremos como modelo para a prática clínica psicopedagógica o desenvolvido por Weiss (idem), que é o utilizado pela autora deste trabalho na sua prática no consultório. A seguir apresentamos as etapas que compõem o modelo e o caracterizam:
1. Entrevista Familiar Exploratória Situacional (E.F.E.S)
2. Entrevista de Anamnese
3. Sessões lúdicas centradas na aprendizagem (para crianças)
4. Complementação com provas e testes (quando necessário)
5. Síntese diagnóstica – Prognóstico
6. Entrevista de Devolução e Encaminhamento.
Estas etapas podem ser modificadas quanto a sua seqüência, e maneira de aplicá-las, como, por exemplo, entrevistas separadas para casais separados que não se relacionam amigavelmente; duas anamneses, uma no início e outra antes da devolução, quando há necessidade de maior investigação junto à família; primeira sessão com o sujeito, no caso de adolescentes; sessões lúdicas com membros da família convocados, quando há necessidade de analisar a relação entre estes sujeitos e suas implicâncias no processo de aprendizagem.
No diagnóstico é importante que todas as regras de relacionamento, horários e honorários sejam bem definidos desde o primeiro contato. Essas regras devem ser claras e definidas em conjunto com o sujeito e sua família. Por isso, é necessário o estabelecimento de um contrato com os pais e a construção de um enquadramento com estes e com o sujeito. São aspectos importantes do contrato e do enquadramento: estabelecimento de funções,
atividades e atitudes, previsão do número de sessões do diagnóstico e forma de encerramento, definição de dias, horários e duração da sessão, definição do local, honorários contratados e forma de pagamento.
Vamos apresentar mais detalhadamente cada etapa da seqüência diagnóstica com o objetivo de clarificar o processo diagnóstico.
1.2.1.1 Entrevista Familiar Exploratória Situacional (E.F.E.S)

A E.F.E.S, como primeira entrevista, visa a compreensão da queixa nas
dimensões da escola e da família, a captação das relações e expectativas
familiares centradas na aprendizagem escolar, a expectativa em relação à atuação do terapeuta, a aceitação e o engajamento do paciente e de seus pais no processo diagnóstico, a realização do contrato e do enquadramento e o
esclarecimento do que é um diagnóstico psicopedagógico (Weiss, idem, p.50)
Nesta entrevista pode-se reunir os pais e a criança ou até a família, dependendo da disponibilidade. Fernandez (1990, p.126) acredita que devemos ler “psicopedagogicamente” a produção ou dramatização de um grupo numa
E.F.E.S., posicionando-se em um lugar analítico, assumindo uma atitude clínica, à qual será necessário incorporar conhecimentos, teoria e saber, acerca do aprender. Ressalta ainda que o terapeuta, posicionando-se em um lugar analítico permite ao paciente organizar-se e dar sentido ao discurso a partir de um outro que escuta e não desqualifica, nem qualifica.
A atitude clínica pode ser resumida em escutar e traduzir, incorporando-se conhecimentos sobre como se aprende e sobre o organismo, corpo, inteligência e desejo, uma teoria psicopedagógica e saber sobre o aprender e o não aprender. Para Weiss, (op. cit., p.41) durante este tipo de sessão, é importante observar a relação entre a temática abordada, a dinâmica imposta ao encontro e o produto de uma atividade que venha a ser realizada por qual membro do grupo. Fernandez (op. cit., p. 131) também desenvolveu um guia de atitudes a serem observadas pelo psicopedagogo neste tipo de sessão: escutar e olhar; deter-se nas fraturas do discurso; observar e relacionar com que aconteceu previamente à fratura; descobrir o esquema de ação subjacente; buscar a repetição dos esquemas de ação; e interpretar a operação, mais do que os conteúdos.
Neste tipo de entrevista, é importante que sejam colhidos dados relevantes para a organização de um sistema consistente de hipóteses que servirá de guia para a investigação na próxima sessão.
PROCEDIMENTO
Reúnem-se os pais com o cliente numa sessão conjunta de – no máximo –1:30 minutos
Objetivos:
ampliar a explicitação da queixa ( o motivo da consulta);
compreender a queixa sob o ponto de vista familiar e escolar;
acolher ( holding) as ansiedades da família;
estabelecer um bom vínculo transferencial;
detectar o tipo de vinculação que o cliente deposita inicialmente no terapeuta e no tratamento;
captar as relações e as expectativas familiares com relação à aprendizagem escolar;
identificar a expectativa familiar com relação à atuação do psicopedagogo.
Esclarecer sobre o que é o serviço do psicopedagogo.
Passos do Processo:
Efetuar um manejo adequado da transferência para que possam ser captadas informações
que venham a facilitar o diagnóstico e a observação, tais como:
se há diálogo entre os três;
se há respeito de opinião;
se há permissão de interrupções ou desacordo;
se há fantasias sobre “doenças”;
se há ansiedade quanto à urgência do atendimento;
qual o significado do sintoma na família e para a família.
A entrevista deve começar sempre pelo cliente. Deve-se trazer para a cena terapêutica a comunicação manifesta e latente dos entrevistados, pedindo para que todos falem sobre as temáticas apresentadas na sessão. É importante tomar cuidado para não transformar essa confrontação num “ ringue de box”.
1.2.1.2 Entrevista de Anamnese

Como a E.F.E.S, a anamnese também é uma entrevista, com foco mais específico, visando colher dados significativos sobre a história do sujeito na
família, integrando passado, presente e projeções para o futuro, permitindo
perceber a inserção deste na sua família e a influências das gerações passadas neste núcleo e no próprio. Na anamnese, são levantados dados das primeiras aprendizagens, evolução geral do sujeito, história clínica, história da família nuclear, história das famílias materna e paterna e história escolar. O pré-requisito para análise deste tipo de sessão é o mesmo apresentado anteriormente na E.F.E.S.
1.2.1.3 Sessões lúdicas centradas na aprendizagem (para crianças)

As sessões lúdicas centradas na aprendizagem são fundamentais para a
compreensão dos processos cognitivos, afetivos e sociais, e sua relação com o
Modelo de Aprendizagem2 do sujeito. Segundo Fernandez (idem, p. 107), no
diagnóstico, o objetivo é tornar claro o significado da adoção de um Modelo de
Aprendizagem, diferindo-o do Modelo de Inteligência. A estrutura intelectual busca um equilíbrio para estruturar a realidade e sistematizá-la através de dois movimentos que Piaget definiu como assimilação e acomodação3. A aprendizagem é um processo que implica a Modalidade de Inteligência, um organismo, o desejo, articulados em um determinado equilíbrio. Analisando a modalidade de Inteligência em operação, podemos
levantar hipóteses, testar e tirar conclusões sobre a Modalidade de Aprendizagem do sujeito.
2 A modalidade de aprendizagem é como uma matriz, um molde, um esquema de operar que vamos utilizando nas diferentes situações de aprendizagem (Fernandez, 1990, p. 107).
3 A adaptação do organismo se dá através da ação sobre o meio por intermédio dos esquemas motores, que são engendrados pelo funcionamento desse organismo. As trocas se realizam graças a um processo de equilibração progressivo responsável pela construção das estruturas mentais. Tal equilibração se dá no interjogo das funções da adaptação: a acomodação que modifica a estrutura do organismo e a assimilação, em que os objetos são intergrados a essa estrutura (Fagundes, 1986, p. 32).
A atividade lúdica fornece informações sobre os esquemas do sujeito, como organizam e integram o conhecimento em um nível representativo. A observação desses esquemas pode levar à percepção de desequilíbrios entre as atividades assimiliativas e acomodativas, apontando para obstáculos no processo de aprendizagem. Para Sara Pain (1985, p.47), o desequilíbrio das atividades assimiliativas e acomodativas dão lugar nos processos representativos a extremos que podem ser caracterizados como hipoassimilação4-hiperassimilação5, hipoacomodação6-hiperacomodação.
4 Hipoassimilação: os esquemas de objeto permanecem empobrecidos, bem como a capacidade de coordená-los. Isto resulta num défit lúdico e na disfunção do papel antecipatório da imaginação criadora. (Pain, 1985, p. 47) 5 Hiperassimilação: ocorre uma internalização prematura dos esquemas, com um predomínio do lúdico, que ao invés de permitir a antecipação de transformações possíveis, desrealiza negativamente o pensamento da criança (Idem).
6 Hipoacomodação: aparece quando o ritmo da criança não foi respeitado, nem sua necessidade de repetir inúmeras vezes a mesma experiência (Idem).
7 Hiperacomodação: acontece quando houve hiperestimulação da imitação. A criança pode cumprir as instruções, mas não dispões de suas expectativas e experiências prévias com facilidade (Idem).
O que nos interessa chegar a compreender neste ponto é a oportunidade que a criança teve para investigar (aplicar seus esquemas precoces) e para modificar-se (por transformação dos seus esquemas), com implicações posteriores dessas atividades no jogo e na imitação, o que leva à constituição de símbolos e imagens.
Segundo Weiss (op.cit, p.72), é no processo lúdico que a criança constrói seu espaço de experimentação, de transição entre o mundo interno e externo. Neste espaço transacional dá-se a aprendizagem. Por este motivo, torna-se tão importante no trabalho psicopedagógico. A avaliação pedagógica pode ocorrer em situações criadas nas sessões lúdicas, observando-se nas brincadeiras como o sujeito faz uso dos conhecimentos adquiridos em diferentes situações escolares e sociais e como os usa no processo de assimilação de novos conhecimentos.
Winnicott (1975, p.80) expressa assim sua opinião entre o brincar e a
autodescoberta: “É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu”.
Neste tipo de sessão, observa-se a conduta do sujeito como um todo, colocando também um foco sobre o nível pedagógico, contudo deve-se ter como postulado que sempre estarão implicados o seu funcionamento cognitivo e suas emoções ligadas ao significado dos conteúdos e ações.

1.2.1.4 Provas e testes

As provas e testes podem ser usadas, se necessário, para especificar o nível pedagógico, estrutura cognitiva e/ou emocional do sujeito. Podemos lançar mão de provas e testagens específicas que irão fornecer um parâmetro bem evidente a partir das respostas. O uso de provas e testes não é indispensável em um diagnóstico psicopedagógico, representa um recurso a mais a ser utilizado quando avaliado necessário, devendo ser escolhido de acordo com cada caso. Provas operatórias, técnicas projetivas poderão ser selecionados de acordo com a necessidade de confirmação de aspectos levantados nas hipóteses construídas ao longo das sessões anteriores (E.F.E.S, sessões lúdicas centradas na aprendizagem, anamnese, etc.) A seguir, serão apresentados alguns desses testes e uma discussão acerca de sua aplicação no diagnóstico psicopedagógico visando clarificar aspectos necessários ao entendimento dos capítulos posteriores.
Os testes projetivos, segundo Montagna (1989, p. 6), têm por objetivo investigar a dinâmica e a estrutura da personalidade. Sua caracterização se dá por:
um estímulo (material de teste) suficientemente ambíguo e indefinido para
que o sujeito, ao dar sua resposta, projete seus conteúdos internos;
uma intrusão que proporciona ao sujeito liberdade de elaborar sua resposta da maneira que escolher. Ao mesmo tempo em que tem a liberdade da escolha, é obrigado a mostrar-se, através de sua conduta, seguindo a intrusão do teste;
uma relação com o examinador, que permita a aplicação do teste, no qual o testando está livre para dar a resposta escolhida, mas ao mesmo tempo vai ser revelado na interpretação do clínico. Os conteúdos manifestos vão ser analisados para a obtenção do motivo subjacente à resposta, isto é, do conteúdo latente11.
As provas operatórias, segundo Weiss (op. cit., p. 102), têm como objetivo principal determinar o grau de aquisição de algumas noções chaves do
desenvolvimento cognitivo, destacando-se o nível de operatório do pensamento da criança, ou seja, o nível da estrutura cognoscitiva com que opera.
As provas consistem em apresentar um material previamente organizado para o sujeito e propor atividades em que pode ser observada sua estrutura cognitiva em ação. Essa análise irá apresentar o nível operatório do sujeito e sua correlação com uma faixa etária.
. A aplicação deste tipo de teste segue uma metodologia que consiste na
aplicação de um interrogatório (método clínico) com a finalidade de conhecer
como o sujeito pensa, quais os juízos que faz e como argumenta para justificar
suas respostas.
Segundo Weiss (op. cit., p. 100), acreditamos que todos os momentos da prática diagnóstica devam ser vivenciados em seus aspectos afetivos, cognitivos, corporais e pedagógicos, incluindo-se uma visão genética.
Como exemplo, podemos colher dados de origem emocional em uma prova
operatória, ou dados cognitivos em testes projetivos.
As observações sobre o funcionamento cognitivo do paciente não são
restritas as provas operatórias; elas devem ser feitas ao longo de todo o processo diagnóstico.
Pain (1985, p. 60) defende que as provas projetivas tratam de desvendar quais são as partes do sujeito depositadas nos objetos que aparecem como suporte da identificação e que mecanismos atuam diante de uma instrução que obriga o sujeito a representar em situações estereotipadas e carregadas emotivamente.
Para o diagnóstico psicopedagógico interessa concentrar a atenção na eficácia e limitações dos recursos cognitivos empregados para organizar sua descarga emotiva. Ainda segundo Pain, desta forma, pode-se registrar o modo que a inteligência aborda o objeto, o reconhece e o associa à sua experiência, o discrimina e o utiliza favoravelmente com sua necessidade.
Em relação às provas projetivas, Fernandez (op. cit., p. 219) considera que a significação simbólica ocorre ao mesmo tempo em que é demonstrada a
capacidade de organização lógica. Afirma que o pensamento é só um, não há um pensamento inteligente e outro simbólico, são entrelaçados; quando falta um deles a trama não se constrói. Toda simbolização, até o próprio sonho, necessita de inteligência. Em um diagnóstico, devemos nos deter em: analisar como os recursos cognitivos possibilitam a organização da projeção, a expressão dramática do sujeito e a comunicação de suas angústias; observar o tipo de leitura da realidade.
1.2.1.5 Síntese diagnóstica

A síntese diagnóstica é o momento em que é preciso formular uma única hipótese a partir da análise de todos os dados colhidos no diagnóstico e suas relações de implicância, que por sua vez aponta um prognóstico e uma indicação. Esta etapa é muito importante para que a entrevista de devolução seja consistente e eficaz.
1.2.1.6 Entrevista de devolução

A Entrevista de Devolução e encaminhamento é o momento que marca o encerramento do processo diagnóstico. É um encontro entre sujeito, terapeuta e família visando relatar os resultados do diagnóstico, analisando todos os aspectos da situação apresentados, seguindo de uma síntese integradora e um encaminhamento. Esta é uma etapa do diagnóstico muito esperada pela família e pelo sujeito e que deve ser bem conduzida de forma que haja a participação de todos, procurando eliminar as dúvidas ou pelo menos discuti-las exaustivamente afastando rótulos e fantasmas que geralmente estão presentes em m processo diagnóstico.
2.3 O computador como instrumento para diagnóstico
A psicopedagogia utiliza-se de diversos recursos para a realização do diagnóstico em cada uma de suas etapas. Recentemente o computador começou a fazer parte deste conjunto de recursos utilizados. Através de relatos apresentados em congressos e encontros de psicopedagogia, podemos constatar que o computador é aplicado nas mesmas etapas por diferentes profissionais. Dentre as quais as preferidas são as que se assemelham as
sessões lúdicas centradas na aprendizagem (para crianças) e as que seriam dedicadas à complementação com provas e testes.
Autores como Weiss (1992) e Oliveira (1996) têm sido referência no uso do
computador no diagnóstico e já apresentam algumas conclusões:
Crianças e adolescentes realmente mergulhavam, por assim dizer, no que estavam fazendo, mantendo um nível de atenção mais intenso e prolongado, desvencilhando-se progressivamente da minha tutela [...].
Começo a vê-lo como um grande e inseparável instrumento de
pesquisa e terapia junto a crianças e adolescentes (Oliveira, op. cit., p.
149).
Nesta direção, torna-se fundamental a compreensão da informática no
desenvolvimento e enriquecimento do pensamento de crianças eadolescentes, assim como o entendimento do funcionamento afetivo que está articulado neste processo. Assim estamos preconizando o uso mais amplo do computador e não o restrito, apenas, como simples página de livro didático ou mesmo “caneta eletrônica”.
Torna-se fundamental que o terapeuta possa usar, com segurança e
eficiência, os novos instrumentos oferecidos pelo progresso constante da tecnologia da informação. (Weiss, op.cit, p.127)
O computador ainda é um recurso muito pouco aplicado na clínica
psicopedagógica. Também são poucas as pesquisas acerca de sua aplicação
neste campo. Por isso, torna-se fundamental o estudo mais aprofundado desta
matéria e o desenvolvimento de material adequado e específico.

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